Dizia em meados do século passado o pedagogo Delfim Santos: «De todos os seres viventes, o menos inicialmente dotado para persistir é o homem.» Daí concluía o caráter imprescindível da educação e a importância dos «cuidados dos próximos» para a formação e desenvolvimento da humanidade dos humanos — uma tarefa infinita, imperfeita, persistente, pois o homem é «um ser que tem de fazer-se e a todo o momento refazer-se.»
É, portanto, o homem um ser de cultura e um ser social. Mas, a sociedade o que é? Uma comunidade de pessoas ou um conjunto de indivíduos mais ou menos isolados? É que na noção de pessoa está presente alguém que é portador «dos valores sociais do homem, porventura pouco úteis a determinado tipo de vida, mas sempre úteis como expressão de humanidade.» São ainda palavras de Delfim Santos, das quais retirava a ideia de «escola como oficina da personalidade».
Neste contexto, a cidadania implica a assunção de direitos mas também de deveres. É um ponto que, por exemplo, a filósofa Victoria Camps sublinha: «É necessário ter sempre presente a sábia observação de Terêncio: o indivíduo realmente humano é o que considera que nada de humano lhe é alheio, o que se sente obrigado em relação aos outros por deveres de justiça.»
Deveres de justiça, deveres de humanidade, e o dever maior de cumprir a nossa tarefa à face da terra, para se poder dizer: «Sim, valeu a pena. Ser preso por causa das nossas convicções e estar preparado para sofrer por aquilo em que se acredita valer a pena. É uma conquista para um homem cumprir o seu dever na terra independentemente das consequências.» (Nelson Mandela)
E o dever de uma pátria e de um povo se cumprirem ― foi o que aconteceu há 40 anos em abril, nesse dia em que, no dizer de António Borges Coelho, «a estrela da manhã brilhou e, livres, cantámos a terra da fraternidade.»
Um dia em que educar se revelou também ser «a arte de fazer falhar o sistema educativo a que se foi submetido.» (João dos Santos)
Um dia em que a política mostrou poder ser um exercício coletivo da cidadania.
Não, a sociedade não é um conjunto de indivíduos; é uma comunidade de pessoas.
Não, o «povo não é um qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira, mas o ajuntamento de uma multidão associada por um consenso jurídico e por uma comunidade de interesses.» (Cícero)
São frágeis os humanos. Mas também seres de esperança. Por mais sombrios que sejam os tempos que vivemos ou em que nos querem fazer viver numa guerra não declarada contra Abril e a escola pública, nós trabalhamos todos os dias para nos fortalecer. E para fortalecer a qualidade da estrutura de acolhimento que também é a escola, e do processo relacional aberto de descoberta conjunta da realidade e da vida em que consiste o ato educativo num horizonte de emancipação. Quando, a propósito de um testemunho de resistência e dignidade, um estudante nos escreve que «
todos devemos resistir e nunca desistir, devemos sempre manter-nos fiéis a nós próprios e à nossa causa» — é de esperança que se trata.
Na escola a esperança é um trabalho de todos os dias.
Que a nossa escola quer continuar a cumprir.
Pedro Santos Maia
Texto e imagens constantes do Painel ESCT de participação na
«Mostra 2014 - ensino superior, secundário e profissional», organizada pela Câmara Municipal de Almada