4 de junho de 2015

«Leituras de Abril» - uma visão sobre o 6º Bibliotecando em Tomar (parte 1/2)
BECRE XXI quinta-feira, junho 04, 2015 0 comentários

«Leituras de Abril», a 6ª edição de Bibliotecando em Tomar, realizada no Instituto Politécnico a 8 e 9 de maio de 2015; foi uma profícua ocasião para refletir como a educação - escolas, bibliotecas escolares, professores e, por inerência, professores bibliotecários - devem estrategicamente intervir e promover a memória coletiva, como fator identitário essencial num mundo e país em acelerada mudança. A análise do legado democrático dessa madrugada fundadora e todo o percurso coletivo desde então – espelhado nas suas dimensões sociais, políticas, económicas e manifestações culturais e artísticas – nortearam as várias intervenções.
O anúncio da realização da 6ª edição de Bibliotecando em Tomar, sob a temática «Leituras de Abril», proporcionou-me refletir em conjunto com a Diretora da ES Cacilhas-Tejo e representantes de duas associações locais (F4 e “O Farol”) sobre a natureza das comemorações do 41º aniversário do 25 de Abril, prática habitual na Escola e que, no presente ano, decorreu entre 22 de abril e 4 de maio.
Dessa reflexão surgiu a programação (disponível em http://becrexxi.blogspot.pt/2015/04/25-de-abril-41-aniversario-na-es.html) que contemplou uma tripla dimensão: «Arte de Abril» (disponível em http://pallasathena-pt.blogspot.pt/2015/04/arte-de-abril-2015.html), «Sons de Abril» e «Palavras de Abril»; expressa em três filmes que foram projetados em contínuo na escola, visionados por toda a comunidade educativa e pelo Srs. Presidente e Vereador da Educação e Cultura da Câmara Municipal de Almada, em visita à ES Cacilhas-Tejo.


O conceito de múltiplas «Leituras de Abril», estruturante do Bibliotecando em Tomar 2015, tornou a minha presença, enquanto professor bibliotecário, essencial para um futuro desenvolvimento de uma intervenção de cariz pedagógica junto dos alunos e demais membros da comunidade educativa, assente na defesa de dois dos princípios fundamentais da nossa vivência democrática: a liberdade e a memória.

Guilherme d'Oliveira Martins
«O patriotismo mais profundo é prospetivo e não retrospetivo.» (António Sérgio)
Guilherme d’Oliveira Martins, presidente da Comissão Científica de «Leituras de Abril» deu início ao Encontrou e centrou-o no essencial do seu objetivo: analisar as diversas leituras possíveis de Abril para melhor perceber a natureza dos desafios atuais e perspetivar um país que, numa madrugada fundadora, ousou sonhar a possibilidade de construção de um Portugal novo, livre, democrático e desenvolvido.

Teresa Calçada - Literatura e Ciência
«Falar incorretamente é um claro condicionalismo social.» (Teresa Calçada)
«O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.» (Álvaro de Campos).
Refletindo sobre a escola enquanto instrumento de mobilidade social, revelou a importância das literacias no mundo digital. As competências que nos são exigidas no momento presente ultrapassam o ler, escrever e contar; as iliteracias condicionam as leituras que Abril abriu. Partindo do pressuposto que todos os homens naturalmente desejam saber (Aristóteles), os professores devem ser competentes nas ferramentas digitais, sob pena de limitação na capacidade de aprender e ensinar. O mundo dos múltiplos ecrãs implica literacias próprias do nosso tempo e, hoje, comunicar revela que forma e conteúdo são indissociáveis. Os jovens devem ser alertados para as ilusões e mitos da revolução digital: a falsa sensação de facilidade e o não condicionamento da memória pela rapidez e quantidade de informação. Um livro forma um leitor mas também pode matar um leitor: a biblioteca deve ser plural e os bibliotecários competentes. O maior perigo do atual mundo digital é o da desvalorização das humanidades em favor das ciências, indissociáveis e ainda menos conflituais.


Maria Paula Santos - O papel das bibliotecas públicas e o manifesto da Unesco
Refletindo sobre os enormes progressos registados no acesso ao livro e às bibliotecas e sobre a situação atual, Maria Paula Santos denunciou o que correu mal: o não cumprimento do compromisso para com os cidadãos: faltam recursos humanos, as coleções deixaram de ser atualizadas... A missão de proporcionar equidade de acesso a todos ao conhecimento na sociedade da informação está, na sua opinião, em causa.

João Paulo Proença - "Dão-nos marujos de papelão com carimbos no passaporte..."
Se o Estado Novo desvalorizou a educação ao não promover equidade no acesso, a escola de Abril, em 41 anos, fez muito: o abandono escolar diminuiu consideravelmente, a taxa de analfabetismo tornou-se quase residual, a escolarização em Portugal fez progressos notáveis e, desde 1996, foi-se estruturando uma rede de bibliotecas escolares. Os desafios atuais centram-se no ensinar a pensar e a ser; ensinar a ler; ensinar a utilizar criteriosamente as tecnologias da informação; e no ensinar do valor do outro. Citando Barbara Liason, João Paulo Proença defendeu que «bibliotecas fortes tornam uma sociedade forte», uma sociedade de cidadãos informados, críticos e participativos. Enquanto os desafios não forem vencidos, o poema de Natália Correia manter-se-á tristemente atual.

Pedro Príncipe - Infraestruturas de acesso aberto à informação científica e académica.
Portugal é um dos países pioneiros no livre acesso na internet a repositórios abertos: revistas, repositórios digitais disciplinares ou institucionais. Aliás, a Comissão Europeia faz depender financiamentos públicos de condição de acesso aberto (Horizonte 2020). Deu como exemplo o projeto OpenAIRE - infraestrutura com 11 milhões de publicações – e destacou o papel central das bibliotecas.



Paulo Fontes - A Igreja, os católicos e o 25 de Abril.
O 25 de Abril acelerou o processo de mudança do país: da homogeneidade cultural (de base católica) à multiculturalidade; do catolicismo hegemónico por tradição e identidade à liberdade religiosa. A partir de 1970, a Igreja Católica procurou assegurar a continuidade da sua presença e desfazer a ligação estratégica com o Estado Novo. Surgiu o reformismo social, sob influência do concílio Vaticano II, a participação em diferentes movimentos políticos (catolicismo de ação) e foi assumida a liberdade enquanto valor. Face à questão do Ultramar português, declarou-se oposição à guerra e ao colonialismo e adotou-se o princípio da autodeterminação dos povos. A sensibilidade à mudança cultural, à afirmação do pluralismo político, à valorização da condição feminina; e ao discurso ecológico, evidencia um facto: não se percebe o processo de mudança em Portugal sem a análise do papel dos católicos.

Frei Bento Domingues - A religião e o 25 de Abril (intervenção testemunhal).
Apesar do imobilismo da hierarquia, a Igreja (comunidade de fiéis) operava a mudança que se iniciou com o concílio Vaticano II. Com a revolução, a principal preocupação era evitar os problemas ocorridos durante a 1a República. O tema guerra colonial era recorrente nos grupos católicos progressistas. Segundo Salgado Matos, no 25 de abril, o Estado Novo já tinha perdido o apoio do catolicismo político e social. O movimento "Nós somos Igreja" é uma evidência disso mesmo. O processo ainda continua...

(CONTINUA)

Publicado por José Fernando Vasco Professor Bibliotecário
Escola Secundária de Cacilhas-Tejo
2009-2013; 2014-...
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